A cada hora, 15 imigrantes vindos de 90 países tentam "virar" brasileiros
São quase 1 milhão de pessoas de outras nações espalhadas pelos nossos 5.565 municípios. Correio mostra como elas chegaram aqui e de que forma vivem longe da terra natal
Acervo do Ministério da Justiça: passaportes antigos de estrangeiros que vieram para o Brasil |
São Paulo — A escada de acesso à Pastoral do Migrante, no centro da capital paulista, parece estreita demais para o entra e sai de gente. A sala de espera também. E o telefone não dá trégua. É só colocar no gancho para voltar a tocar. Bolivianos, paraguaios, peruanos, africanos: a lista inclui gente de 90 países. Todos buscam pistas para garantir a permanência no Brasil às vésperas do prazo final para a regularização concedida pela Polícia Federal, que termina em meados de agosto. Chegam tímidos, de cabeça baixa. Trazem nas mãos pilhas de papéis reunidos na esperança de “virar” brasileiros — ou, no jargão da diplomacia, comprovar a própria existência no país. “Não tem nada pior do que não existir para um governo”, diz a boliviana Maria Cruz, 28 anos, há dois morando na capital paulista e trabalhando dia e noite debruçada sobre uma máquina de costura.
A história de Maria mistura-se à de 20 mil bolivianos que cruzaram a fronteira de ônibus, geralmente por Foz do Iguaçu (PR) ou Corumbá (MS), para ganhar a vida no Brasil. Ou de outros quase um milhão de estrangeiros que vivem hoje no país. A cada hora, 15 pessoas decidem permanecer aqui. São 11,4 mil “novos brasileiros” por mês; estrangeiros que entram no país e não retornam. Passam a viver sob a vigilância das leis e regidos pela Constituição Federal, o que lhes garante acesso a todas as políticas públicas. Nos últimos três anos, em média 130 mil pessoas das mais diferentes nacionalidades elegeram o Brasil para viver. Empresas petroquímicas e marítimas, além das obras do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) e de eventos esportivos, tornaram o país ainda mais atraente para os estrangeiros, estimulados pelos bons números da economia.
O Correio revela a partir de hoje histórias de quem decidiu trocar a terra natal pelo Brasil. De onde vieram, como chegaram, o que fazem, quanto gastaram — ou quanto receberam — para estar aqui. Em 2008, segundo o Ministério da Justiça, entraram no país 2,9 milhões de estrangeiros. No ano passado, foram 5 milhões, um aumento de 72%. Documentos do Ministério da Justiça obtidos pela reportagem mostram a presença dos estrangeiros nos 5.565 municípios.
Apesar de concentrados em áreas de fronteira e nos grandes centros, os novos brasileiros começam a migrar para o interior do país. É o que está ocorrendo, por exemplo, com os bolivianos em São Paulo. Ou com os europeus no Nordeste. Para os haitianos, vítimas do terremoto e da miséria que assola o país, Manaus é a porta de entrada, depois de dois meses viajando e outros 40 dias na fronteira à espera de autorização.
A série vai mostrar ainda os artifícios usados para garantir a permanência no país: bebês e casamento. “Cem por cento garantido é só filho”, afirma um advogado especializado na regularização de estrangeiros. A estratégia é ainda mais comum entre organizações criminosas infiltradas em vários estados. A partir de relatos de presidiárias, a reportagem também mostrará o Brasil visto apenas atrás das grades — em cinco anos, a população carcerária de estrangeiros aumentou 138%.
História
A chegada de imigrantes no Brasil não é fato novo. Foi estimulada pelo governo brasileiro no fim do século 19 e no início do século 20, quando o próprio Estado pagava a viagem de italianos e japoneses que quisessem vir para cá. Houve períodos em que 7% da população total brasileira era composta por estrangeiros. Passou também, nos anos seguintes, por um período em que a entrada e a saída de estrangeiros já não influenciava na população total. E a situação econômica do país levou milhares de brasileiros a cruzarem o Atlântico em busca de oportunidades na Europa e nos Estados Unidos. Agora, Paraguai, Bolívia, países europeus e africanos são os que perdem diariamente habitantes.
A política de imigração brasileira é considerada extremamente generosa, com pelo menos sete tipos de vistos temporários e outros quatro permanentes, além de resoluções que autorizam a permanência de estrangeiros e acordos de livre residência. “Estamos em um país que respeita os migrantes, embora a lei esteja defasada”, destaca o secretário executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Barreto. “O país passou a representar oportunidades”, destaca Paulo Sérgio de Almeida, do Conselho Nacional de Imigração, órgão colegiado ligado ao Ministério do Trabalho.
Recentemente, o governo promoveu a maior regularização de estrangeiros. Foram 44,8 mil anistiados. Do total de imigrantes, os maiores beneficiados foram os bolivianos, os paraguaios, os coreanos e os chineses. “A regularização migratória não foi suficiente para formalizar esse contingente cada vez maior de trabalhadores nem para assegurar todos os direitos e o acesso às políticas públicas”, afirma o padre Mário Geremia, da Pastoral do Migrante.
“Estamos reproduzindo um padrão, fazendo com os estrangeiros o que fazem com os brasileiros lá fora,” destaca o procurador da República Jefferson Aparecido Dias.
Na última sexta-feira, o Ministério da Justiça publicou uma portaria com novas normas para a legalização dos estrangeiros no país. Entre elas a especificação dos documentos que precisam ser apresentados à Polícia Federal.
Comentários
Postar um comentário