Francesa concebida em proveta à procura do pai: “É duro nascer assim”

Audrey Kermalvezen, advogada francesa, descobriu a verdade sobre si depois de casar-se com outro “filho da fecundação in vitro”. Em entrevista exclusiva, ela conta o medo que ela e seu marido têm em comum: os dois podem ser filhos do mesmo pai.
Foto: Frédéric Stucin/Libération
Perceber, desde criança e quase inconscientemente, que há algo de errado; descobrir que não "está tudo bem" nascer em um laboratório e de uma pessoa diferente daquela que te criou; ficar com raiva e, depois, perceber que a responsabilidade não é só dos próprios genitores, mas de todo um sistema; sofrer e, então, reagir, entrando na luta contra isso. É essa a história que fez Audrey Kermalvezen, uma advogada francesa de 33 anos, tornar-se uma das paladinas da luta contra a fecundação heteróloga e o anonimato dos chamados "doadores" de gametas.
Concebida em proveta. Kermalvezen é membro da associação Procréation médicalement anonyme("Procriação medicamente anônima"). "Estamos aqui mais para testemunhar o quanto é difícil sermos gerados assim que para lutar por descobrir as nossas origens", ela explica. A advogada usa o plural porque a sua história começa quando já era casada com um homem concebido em proveta, como ela. Ele, todavia, sabia desde criança que tinha nascido por fertilização heteróloga. Acaso? "Bem – continua a advogada –, quando eu era pequena não sabia de nada, mas sempre sonhava com um homem que chegava e me levava embora. Perguntava continuamente aos meus genitores se eles tinham me adotado. Com 23 anos, escolhi especializar-me em direito bioético, mesmo não sabendo ainda nada da minha história". Em suma, tudo parecia empurrar Kermalvezen para o mundo da proveta.
A revelação. Mais tarde, em 2009, tendo completos 29 anos, os genitores da moça decidiram revelar, a ela e ao irmão, então com 32 anos, que ambos tinham sido concebidos em laboratório, com o esperma de um desconhecido. "Meu irmão se sentiu aliviado" porque sempre tinha desconfiado haver "qualquer coisa que não batia" entre ele e a sua família. Ao contrário, a reação de Kermalvezen foi de "raiva" contra os seus genitores, pelo fato de haverem mentido para eles, mesmo tendo compreendido, depois, "que não eram só eles os responsáveis pelo segredo, mas também os médicos criaram todas as condições para mantê-lo, escolhendo um doador que se assemelhava ao meu pai e dizendo a ele e a minha mãe para não nos contarem nada".
"Nosso medo". Para a advogada, todavia, a dor veio duplicada. "Com o meu marido eu divido um receio: o de sermos nascidos do mesmo genitor", razão pela qual ele está tão engajado na batalha para ter acesso às suas origens. "Ele e suas duas irmãs sempre souberam que tinham sido concebidos por um doador de esperma, mas esperavam que os seus genitores lhes dessem as informações sobre a identidade do seu pai, uma vez que completassem os 18 anos. Mas isso não aconteceu: eles não tiveram acesso a nenhuma notícia a respeito".
"Eles se recusam a responder-me". Como foi concebida em 1979, a norma francesa que, desde 1994, estabelece a obrigação do anonimato para o doador, não é um problema. "É meu direito contatar o 'doador' e eles perguntam se ele quer permanecer anônimo ou não. Se disser que não quer me revelar a sua identidade, respeitarei a decisão", ela explica. De uma coisa, porém, Kermalvezen não abre mão: "A lei protege só a identidade, mas a justiça francesa estabelece, ao menos, que não pode esconder se o meu irmão ou o meu marido e eu fomos concebidos do esperma do mesmo homem. Mesmo assim, eles se recusam a responder-me."
"Não há nenhum remédio". Kermalvezen conta a sua história no livro Mes origines, une affaire d'Etat (Max Milo), lançado em 2014. Infelizmente, é difícil para um filho de proveta reivindicar um direito quando a lei, permitindo a fecundação assistida, sempre joga o direito do não nascido para o segundo plano em relação àquele do adulto. "Esse é o problema pelo qual eles não nos respondem", conclui. "Eis por que nós não estamos aqui, antes de tudo, para conhecer as nossas origens, mas para testemunhar o quanto é duro nascer assim". Porque, para todo esse sofrimento, "não há nenhum remédio".

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