"Viagra feminino" deve fomentar reflexões sobre o comportamento sexual das mulheres
Mesmo com os tabus sociais, especialistas acreditam que não deve ocorrer preconceito contra as usuárias
Aprovada esta semana nos Estados Unidos, a substância responsável por aumentar o libido das mulheres coloca em evidência questões que vão além do desejo. A comercialização da droga apelidada de "viagra feminino" deve fomentar reflexões sobre o comportamento sexual e seus tabus.
Nos últimos cinco anos, as tentativas de liberação da flibanserina falharam. Mas, há dois meses, um comitê de especialistas recomendou à Food and Drug Administration (FDA, agência americana de regulação de alimentos e medicamentos) que liberasse a venda da droga. O sinal verde para o medicamento do grupo Sprout Pharmaceuticals foi dado nos últimos dias, e a comercialização será com o nome Addyi.
– Ainda não se tem muito claro como se vai usar. A gente ainda carece de informação. Depois de grandes marcos, como a pílula e o bebê de proveta, é um terceiro grande acontecimento. Só o fato do tema estar sendo comentado, já é uma coisa para saudar – afirma João Sabino Cunha Filho, ginecologista e professor da UFRGS.
Agência de medicamentos nos EUA aprova primeiro "viagra feminino"Conheça os principais tratamentos para a disfunção erétilA relação da substância com o Viagra masculino é quase imediata, mas o funcionamento é extremamente diferente. Enquanto a flibanserina age somente nos neurotransmissores, o Viagra ajuda no fluxo de sangue em direção ao pênis. Portanto, não há uma ação imediata na versão feminina e, sim, a longo prazo. Para a ginecologista e sexóloga Jaqueline Brendler, a droga está longe da eficácia idealizada pelas mulheres. Mas jogar luz sobre o desejo sexual já um ponto positivo.
— Muitas vão tomar e achar que não adiantou. Não é como o viagra. A discussão sobre libido é importante, pois a falta é uma das maiores reclamações nos consultórios. Pode ajudar nisso — diz.
Os testes mostram que a diferença entre os que usaram o medicamento e o placebo (substância de teste inerte) não foi muito expressiva. Na prática, o aumento de relações sexuais satisfatórias teria ficado semelhante, com apenas uma atividade de diferença na média. A opinião de Lucia Pesca, psicóloga e sexóloga, é de que, independentemente do medicamento, é preciso estar pré-disposta a uma mudança na vida sexual:
– A mulher está em busca de qualidade nessa área. O desejo é diferente entre homens e mulheres, isso precisa ser debatido. A droga não adianta por si só, é necessária uma libertação dos mitos culturais.
Agência de medicamentos dos EUA volta a analisar venda do "viagra feminino""Pílula rosa" que trata falta de libido feminina é aprovada por especialistas nos EUA
Mesmo com os tabus sobre a sexualidade das mulheres, a expectativa dos especialistas é de que a sociedade não enxergará o "viagra feminina" com maus olhos. Constrangimentos na hora da compra da substância nas farmácias, por exemplo, provavelmente não ocorrerão. O que pode acontecer é alguma resistência masculina gerada por conceitos distorcidos sobre desempenho sexual.
– Pode trazer algum mal estar, assim como o Viagra causou estranheza para as mulheres no início, mesmo que não estivesse ligado ao desejo. Talvez os homens fiquem um pouco mexidos com o fato, mas o beneficio de uma vida sexual mais satisfatória para ambos deve vencer o desconforto. Os homens tem um feedback claro sobre o desejo, que é ereção. Nas mulheres, não é tão visível. É preciso encarar as diferenças – afirma Lina Wainberg, psicóloga e terapeuta sexual.
Segundo Lina, os homens são culturalmente estimulados na área erótica desde cedo. É algo mais permitido e aceito do que no universo feminino. A liberação dessa substância deve despertar a curiosidade das mulheres e, consequentemente, a busca de informações sobre o assunto.
– A mulher não é incentivada a se descobrir desde cedo, não é estimulada a ter clareza. Há uma curiosidade sobre a libido e tudo o que aparentemente a estimula. Por ser essa ideia da pílula mágica, tudo mundo vai querer saber mais. Suscita uma reflexão social – afirma a especialista.
Adiscussão ultrapassa a área acadêmica ou da saúde, levando o assunto de forma mais aberta aos diferentes grupos sociais. Antigos mitos devem se enfraquecer com as novas percepções do comportamento feminino.
– Mulher pode e deve ter vida sexual, ler mais sobre sexo, conhecer seu corpo e entender o quanto a atividade sexual mexe com a cabeça dela. A droga pode até ajudar principalmente quem tem relacionamentos duradouros e só terá um efeito significativo se a mulher estiver motivada – destaca a psicóloga e sexóloga Lucia Pesca.
*Colaborou Mariana Fritsch
Por que ainda não existe uma pílula anticoncepcional masculina?
De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não há previsão para que a substância seja aprovada no Brasil. A estimativa de João Sabino Cunha Filho, ginecologista e professor da UFRGS, é que a droga pode demorar até sete anos para chegar aqui.
– A Anvisa é burocrática. Quando chegar ao país, a expectativa é de que o preço regule com o do Viagra masculino. Ainda não sabemos como a indústria farmacêutica vai lidar com isso – avalia.
Por ser similar a um antidepressivo, a venda deverá necessitar de prescrição médica. Isso barraria a banalização do uso da medicação.
– O médico vai levar em conta o que a paciente disser. Só é preciso tomar cuidado para isso não se tornar uma muleta. Não é a solução para todos os problemas – diz o especialista.
A liberação da flibanserina pela agência americana deve servir como porta para autorização de outras substâncias parecidas, segundo a psicóloga e sexóloga Lucia Pesca:
– Esse é só o início. Algumas substâncias que estão por vir devem mais parecidas com o viagra masculino, com influência direta nos genitais. Vai mexer na excitação, e não somente com o desejo, com a cabeça.
Comentários
Postar um comentário